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BiancoNero

 

“(...)o artista nos agracia com suas criações de profundo altruísmo, onde compartilha conosco sua conceição das superfícies que separam interiores e exteriores, como fronteiras, como bordas, como membranas, enfim, como peles. Peles no seu tempo e na sua história.  Peles arqueológicas e geográficas. Peles que vivem e que morrem. Peles que se desagregam, se partem e se trincam. Peles ressecas. Peles que são testemunhas da transformação da vida. Peles que não conseguem conter esse interior, tão poderoso e pleno de energia, que caracteriza a exuberante personalidade de Fabio Benetti. (Raul Boledi)

 

Em 1990, perguntaram ao artista norte-americano Jackson Pollock, como ele sabia quando sua pintura estava pronta, ao que ele respondeu: “how do you know when you’re done making love?”  (como você sabe quando acabou de fazer amor?)

 

Fabio Benetti poderia responder da mesma forma se essa pergunta fosse feita a ele. É necessária uma total entrega para fazer um trabalho nas dimensões e com as matérias primas que este artista utiliza. Pode-se dizer que sua obra está localizada entre a arte povera do médico e artista italiano Alberto Burri (1915-1995) e o action painting do norte-americano Jackson Pollock (1912-1956), e tem sido desenvolvida a partir de muita pesquisa, tempo, dedicação e, principalmente, com amor. Assim como Pollock.

 

Há mais de dez anos, Fabio decidiu largar definitivamente sua carreira de advogado e mergulhou de cabeça na arte, se dedicando aos estudos de história da arte, filosofia e crítica de arte, sempre tendo a pesquisa de materiais e o fazer artístico como principal agente. Participou na construção de casas para aprender sobre diferentes materiais, construiu seu próprio ateliê (uma geodésica localizada no jardim de sua residência), e continua, até hoje, se aprofundando nessa área quer na concepção de casas reutilizando, quer aplicando esse conhecimento em seu trabalho.

 

A partir dessa longa e ampla pesquisa, surgem as pinturas e esculturas de Fabio: misturas de minérios, plásticos e tintas expostos ao sol, ao calor, aliados a uma intensa ação corporal e espiritual que fazem parte da construção do trabalho deste artista ligado à alquimia e à pesquisa da cor.

 

É impressionante ver o artista em ação, se misturando entre minérios, potes de tintas, pistolas de pintura de diferentes tamanhos, batedeiras enormes desenvolvidas por ele mesmo para misturar todos os ingredientes, o ateliê totalmente pintado por camadas de inúmeros respingos de tintas de diversas cores e matérias. Música clássica tocando ao fundo se mescla ao barulho das batedeiras que misturam os minérios e as tintas, ao dos vaporizadores que espirram a tinta pronta para ser depositada sobre a tela. Aí, o trabalho começa a tomar forma por meio de amplos gestos, paradas para se recompor e de novo, retorno à luta com os materiais, até que a primeira forma e cores se façam à sua maneira. Vinte, trinta, quarenta camadas de tinta. Então, vem a parte dois na manufatura, que depende da meteorologia. Sim, porque se o Sol não estiver brilhando do lado de fora do ateliê, o objetivo final do trabalho não acontece. Fabio não pinta nos dias nublados, já que o calor do sol, em reação às composições químicas que ele cria, provoca rachaduras de tamanhos diferentes, expondo cores que antes estavam cobertas pela camada superior do material. Algumas vezes, o artista consegue controlar a cor, a forma e a espessura das rachaduras, mas, outras vezes, perde o trabalho porque não alcança o resultado esperado, ou porque o tempo ficou nublado repentinamente. Sem a parceria com o Sol e a consequente incidência de raio UV boa parte de seu trabalho não se consumaria.

 

Concomitantemente às pinturas feitas com minérios, tintas e os raios UV, Fabio desenvolveu uma série realizada a partir do plástico. Esse elemento químico que causa danos à natureza e que é resgatado pelo Fabio por sua maleabilidade e leveza. Neste caso, ele trabalha por meio do calor de maçaricos de diferentes tamanhos e intensidade esticando-os e moldando-os em estruturas finas de metal. A necessidade de sair do chassi e avançar no espaço, liberando a obra, fez com que o artista desenvolvesse novos caminhos. Neste caso, também, o desenvolvimento da cor e do tom exato exigem dezenas de camadas de tinta.

 

BrancoNero apresenta 25 trabalhos realizados por Fabio Benetti nos últimos anos, a maioria entre 2022 e 2023, onde o espectador se depara com diversas questões sobre a cor, em especial o cinza, resultante da longa pesquisa de Goethe.

 

A exposição abre com obras brancas construídas com diferentes materiais: de minérios e tintas a dezenas de camadas de plásticos esticados, amassados, alongados, dobrados e derretidos sobre finas camadas de telas de arame, que são pintados, repintados e repintados novamente à exaustão, até que o artista obtenha o branco esperado. É notável como diferentes tons de branco são observados nesses trabalhos. Desde o branco amarelado, azulado, acinzentado, até o branco mais branco possível. Só obtido depois de cerca de 40 camadas de tinta depositada por meio de jatos “espreiados” por meio de diferentes aparelhos. Alguns com jatos mais possantes, outros menos. Tudo isso resulta em diferentes tons e massas de brancos. Fabio é um colorista e, como tal, pesquisa diversos estudos sobre cor. É a partir de dois grandes nomes na área da pesquisa da cor que esta exposição foi concebida. O primeiro deles, o físico e pesquisador inglês Isaac Newton realizou, em 1665, uma experiência com um prisma de vidro, observando como um raio de sol se decompunha, transformando-se nas sete cores do espectro através dele: vermelho, alaranjado, amarelo, verde, azul, anil e violeta. O processo inverso, ou seja, a mistura de todas essas cores, resultava no branco.

 

Cento e quarenta e cinco anos depois, em 1810, o poeta, novelista, político, diretor de teatro e crítico de arte alemão Johann Von Goethe (1749-1832) publicou “Doutrina das Cores”, um tratado sobre as cores ao qual se dedicou por de 40 anos, e que poria abaixo a teoria de Newton. A principal objeção de Goethe a Newton era de que a luz branca não podia ser constituída por cores, já que todas elas são mais escuras que o branco. Para ele, as cores eram resultado da interação da luz com a "não luz", a escuridão. A partir dessa pesquisa surge o cinza como elemento principal na soma das cores.  Foi por esse cinza e pela teoria de Goethe que Fabio se apaixonou.

 

“Branco, preto, que, juntos, fazem diversos cinzas, Newton do branco e Goethe do cinza. Ambas as teses focam na origem das cores!” (Fabio Benetti)

 

O Branco, o preto e o cinza são os protagonistas desta mostra, mas também outras cores, que surgem nas entranhas das pinturas a partir de misturas e processos alquímicos realizados pelo artista. Outros fatores fazem parte da construção de sua obra como a sombra (luz/escuridão) e a massa (peso/leveza), muitos só percebidos pelo visitante mais atento.

 

“Percebi, quando uso o cinza em formas bidimensionais, que ele salienta a leveza e flexibilidade, dando um aspecto ambíguo de leitura. O cinza como a silhueta desejada em um vento que passou.” (FB)

 

Durante um período nebuloso e nefasto vivido por toda a humanidade entre 2020 e 2022, Fabio se aprofundou cada vez mais no estudo do cinza, a cor que permeou nossos pensamentos e que domina a cidade de São Paulo, onde vive e trabalha.

 

 “Goethe propunha o cinza como a base de constituição de todas as cores, lastreado em experimentos que realizou analisando de diferentes formas a irradiação da luz do sol e percebendo diferentes tonalidades de cinza. Notei aí um ponto comum ao meu processo de trabalho com a irradiação da luz solar. Inspirado pelos experimentos de Goethe, fiz experimentações com 5 obras de predominância cinza e em contraste com outras 5 cores — vermelho, azul, violeta, laranja e branco — utilizando meu processo de minérios e suas transformações de trincas que se formam pela irradiação solar dando origem a outra cor que contrapõe o cinza, de forma sutil ou intensa mediante a temperatura climática do momento da secagem até a finalização do trabalho.”  (FB)

 

Esta série, intitulada Goethe Cals, está exposta nesta mostra que propõe ao espectador a experiência de adentrar a sala envolvido pela cor branca, vivenciar a mudança de tonalidade para o cinza e o preto, ser novamente envolvido pela cor branca que atravessa a sala e, finalmente chegar na série onde a cor aparece de forma sutil.

 

Benetti é um artista dos materiais simples, da colaboração com a natureza, do lado um pouco “MacGyver”, que busca por meio de sua obra “o sublime de Rothko, a metafísica de Morandi, a liberdade dos materiais da arte povera, e a catarse do action painting”, onde artista e obra são uma coisa só.

 

Rejane Cintrão

Novembro 2023

OBRAS 2015
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