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TEXTOS:

Uma obra aberta, com marcada poética que transita entre os caminhos da abstração pictórica e os atributos de uma produção que é transformada pelos elementos da natureza. Em síntese, assim pode ser apresentado o corpus de obra de Fabio Benetti, artista paulistano que, ao longo de mais de uma década de trabalho, parece desenhar uma sedimentada reflexão acerca das aproximações da pintura com a arte povera, a environmental art e a land art, entre outras correntes. Seus trabalhos são potentes libelos ecológicos, em que o aquecimento global e as mudanças climáticas são indivisíveis dos resultados plástico-visuais que constrói, por meio da principal linguagem que utiliza, a pintura, empreendendo uma reinvenção nesse meio a cada dia de labor no ateliê, num processo de renovação contínua dessa prestigiada categoria da história da arte.

As telas da série Minérios, em especial, que ele propõe para serem exibidas em conjunto atestam maturidade no específico processo de desenvolvimento dessas peças. E merecem explicações mais detidas. Há um primeiro momento na criação das telas, em geral de grande escala. No ateliê que mescla um ar de pequena fábrica com um lócus de laboratório alquímico do agora, Benetti lança mão do uso de diversos materiais na base física das pinturas – cálcio, calcário, caulim, magnésio, barita, pó de cal, pó de serragem, pó de vidro, entre outros – que, em misturas calculadas e numa pesquisa exaustiva do próprio autor com tradicionais elementos do pintar, como a acrílica, geram um tipo de esboço. Nele, o artista tem mais delimitados seus gestos, pode seguir planificações anteriores de ordem gráfica, há uma seleção cromática etc. Não há, assim, alterações de grande monta em relação aos seus pares profissionais da pintura.

Num momento posterior, essa matéria receberá a incidência do sol, num processo em que Benetti não pode ter mais controle, apenas quando decide retirar a peça do ‘banho’ de raios UV ou se decide deixar um tempo maior ou menor, em dias mais quentes ou mais amenos etc. É uma espécie de agenciador, de catalisador de transmutações físico-químicas que seguem as regras do clima predominante a que são submetidas. Em série anterior, por exemplo, quando o material mais empregado era o plástico comum, dos sacos de lixo, as configurações resultantes abriam estrias e volumes mais circulares, o que aproximava o trabalho final tanto de registros microscópicos do interior do corpo humano como de captações ultratecnológicas do espaço sideral.

Já em Minérios, Benetti pode tanto aproveitar um tom azul e, por meio de expedientes desenvolvidos por ele mesmo, criar um monocromo algo aveludado e com uma gestualidade menos expansiva, mais estudada. Em outras telas da mesma série, contudo, a manualidade do artista provoca rasgos, feridas, fendas na anterior tranquilidade dessa superfície e, por meio de um demorado trabalho de estudo de cores, faz saltar por baixo um tom cromático que revela o hábil pintor que Benetti se manifesta em cada quadro novo.

Conceitualmente, as obras do artista se tornam testemunho além do científico do meio ambiente em que se encontram. É bastante óbvio e transparece em cada trabalho que o aumento da temperatura média resulte em uma maior craquelagem, mais evidente. Por isso é relevante perceber que a cor que se desvela mais abaixo vem de um cromatismo mais trabalhado por ele. Não menos importante é notar que, se esses novos panoramas são mais estriados, Benetti queira evidenciar um mundo mais cindido e ferido. Por isso, é notável que entre o público admirador da produção do paulistano, estejam desde profissionais ligados às ciências naturais quanto estudiosos afeitos ao abstracionismo etc.

Benetti obviamente conhece trabalhos-base de correntes fulcrais da contemporaneidade – aqui, podemos citar Red Plastic (1961), de Alberto Burri, Shibboleth 1 (2007), de Doris Salcedo, e trabalhos diversos de nomes como Parmiggiani e Penone, entre outros – e, por meio de um persistente e contínuo fazer cotidiano de ateliê, além de investigações sobre materiais, forja uma poética que amadurece paulatinamente e com consistência. E não deixa de assinar libelos visuais e conceituais que denunciam a hecatombe climática/ecológica que não só se aproxima, como emite seus explícitos e graves sinais em cada desastre de montas diversas que se multiplicam pelo mundo afora.

Mario Gioia, 2023

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FABIO BENETTI: SERENDIPIDADE

Cheguei na linda casa/ateliê do artista e alquimista Fabio Benetti na sexta feira às 14 horas. Era primavera, fazia frio e o dia estava cinzento. Estava meio deprimida, mas fui. 

Projetada pelo arquiteto Rino Levi, a casa moderna é muito iluminada, e com vários níveis e escadas que dão um movimento especial à arquitetura. Mas o ponto alto, para mim, é a Geodésica construída pelo artista e seu fiel escudeiro, Danão, localizada no jardim, onde fica o ateliê de Fabio. Porque é ao ar livre que ele realiza e finaliza suas obras. Junto à natureza e com a ajuda da natureza.

Conheci o Fabio Benetti em um encontro virtual via Casa Tato este ano. Ou teria sido no ano passado? Não sei... estes dois últimos anos foram muitos estranhos...

Me recordo que no primeiro encontro com os artistas, onde todos apareciam na tela do meu computador, me chamou a atenção um cara com um belo copo de Spritz Aperol que falava animadamente sobre seu processo de trabalho e sua história pessoal.

Uma história muito louca, incrível mesmo, e que impressionou a todos. Não vou contá-la aqui porque o texto ficaria longo demais, mas vale a pena conhece-la um dia. 

Estive na casa ateliê do Fabio por duas vezes antes deste último encontro para montarmos a exposição, e confesso que fiquei fascinada pelo artista, pela casa, pelo ateliê e, sobretudo, pela obra.  Entretanto, esta minha última visita, em um dia triste, em que eu estava muito deprimida, me fez entender, de fato, quem era o artista, a obra, a pessoa. Porque pessoa, artista e obra são sempre um só.  

Ele me recebeu na ampla sala, nos sentamos nos bancos em frente ao bar, e a primeira coisa que eu disse a ele foi: “me desculpe, estou muito deprimida hoje. Não sei se conseguirei conversar e ver tudo direito para montarmos sua exposição agora”. A Sandra, outra fiel escudeira que cuida de tudo na casa com muito amor, nos trouxe água e café. Ele começou a falar. Não sobre ele e o trabalho dele, mas sobre a vida, a natureza, a família, espiritualidade, sobre amor. Tudo muito bem embasado na física, filosofia e muitos outros conhecimentos do pensamento, sobretudo da vida real, mundana. Ou seja, a nossa vidinha. Essa vida que é maravilhosa, mas nada fácil.

Sem que eu percebesse, começamos a andar pela casa e a ver os trabalhos que estavam espalhados pelas paredes. Telas de todas as dimensões, com cores obtidas por meio dos mais diferentes materiais e técnicas, ocupando todas as paredes e empilhadas em alguns cômodos. Na casa toda. Muitas telas. Centenas delas. 

Eu já havia visto quase todas e tinha feito uma seleção para esta exposição com antecedência, onde havia selecionado várias telas coloridas e de grandes dimensões: vermelhas com rachaduras que revelam azuis incríveis, azuis com rachaduras vermelhas, amarelas, verdes, ocres...

Quando estávamos subindo as escadas para o andar de cima, ele parou e me disse: “porque não fazemos a exposição só com telas pretas?” Ele vestia uma camiseta preta. Achei a ideia bem mais de acordo com meu estado de espírito. Logo, demos com a grande tela vertical que ficava exposta na escada que dá para o primeiro andar.  Pensei em um altar. Levamos essa primeiro e a colocamos de frente para a entrada da Geodésica. Vim a saber depois que é a mais antiga nesta seleção, datada de 2018.  Ficamos no centro da geodésica olhando para ela. Senti que meu aperto no coração estava se soltando.
Fomos trazendo outras e, em cerca de uma hora, montamos tudo, ao mesmo tempo em que conversávamos sobre a vida, as obras, e de como a luz natural, que entra pelas aberturas da lona que cobre a geodésica, muda a forma de ver as pinturas. Voltávamos sempre ao centro para ver o resultado. 

Quando estava tudo pronto, tentei sair várias vezes para pegar meu celular, que estava dentro da casa, e tirar umas fotos. Mas o Fabio continuava falando e me mantendo lá dentro. Eu percebi que estava bem mais calma e que o nó no meu peito estava se desfazendo. Me dei conta de que a instalação se transformara em uma capela. A grande tela Roma de 2018 ao centro, se tornara, de fato, num altar. A Geodésica, em uma capela. Nos lembramos, com todo o respeito e admiração, da Capela de Rothko. E a exposição/instalação que eu havia pensado antes de chegar na casa ateliê do Fabio se transformou em algo que eu jamais havia imaginado. Serendipidade. 

Essa é a química, a mágica, a beleza de trabalhar com artistas. Se, de fato, pararmos por alguns instantes para vermos suas obras, com o coração aberto, e os ouvirmos com o tempo e dedicação que eles merecem, teremos a oportunidade de vivenciar momentos únicos na vida. E eu, que havia chegado deprimida, saí com o coração feliz.

REJANE CINTRÃO

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Ao contrário do rigor e racionalidade extremos que seu antigo ofício como advogado tributarista lhe exigia, o pintor Fabio Benetti há muito se projetou como autodidata no universo de sua pintura. Soma aos cursos que frequentou e acumulou, na maioria voltados à arte contemporânea, o ímpeto ou impulso natural à sua personalidade interna e externa: o acaso assumindo a bússola sensorial como orientador de seus traços. É no acaso, também, que a confecção e mistura de suas cores vibrantes e tensas emergem para a tela onde se entrechocam. Não há um esboço pré-estabelecido, tampouco um tema estipulado de antemão. Tudo se configura e emaranha no próprio momento da criação, à mercê do humor volúvel do pintor.

Esse processo perpassa ainda pela compulsão com que Benetti aspira vivenciar os sentimentos mais sinceros e abruptos que falam à alma humana e tão somente à alma humana – e por isso muitas vezes inexprimíveis, fazendo-o lançar novas cores umas contra as outras em uma dança livre e fluida de comprimentos de ondas. É como se a paleta que compõem os diversos matizes de seus quadros fosse o sangue vertido de suas veias após apunhalar a si mesmo com o pincel, rasgando a própria pele e deixando um espaço, uma fenda, por onde sua alma possa, então, se comunicar com o mundo exterior.

RICARDO BELÍSSIMO

 

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Ser orientador de um artista como Fábio Benetti é um exercício constante de empatia e afeto.

Um árduo trabalho de observação e dialogo é necessário para vislumbrar, distinguir e separar o que é técnica, forma e conteúdo das obras desse maravilhoso criador alquímico.

A energia está presente em cada decisão. Uma energia emocional que se reveste de elementos e reações químicas. 

Descobri cedo que formatar deste artista, isto é, sistematizar, formular e domesticar o processo criativo de Fábio Benetti, em pró de um diálogo mais detalhado e rico, estaria matando sua criatividade, inibindo sua arte e não ajudando em seu progresso.

Assim, me converti em um orientador-semeador de conceitos. Esperei pacientemente que cada semente não se malograra. Que sempre germinasse, ainda que os tempos dependessem sempre da “terra fértil” deste querido artista. Mas, é muito satisfatório ver como agora a colheita é farta.

RAUL BOLEDI​

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Benetti é um artista brasileiro que utiliza a força de suas pinceladas para denunciar a própria inquietude com o universo das leis. Suas pinturas-colagens representam a materialidade do aqui e agora, a viscosidade das formas-pensamento, as variações de vibrações-cor inatas à tentativa de encontrar equilíbrio entre ordem e caos.

 

O artista segue um caminho autodidata por mais de 20 anos, paralelo à profissão de advogado. Em 2015, inspirado pelos questionamentos de suas buscas existenciais e espirituais, muitas delas amparadas pelo universo da física quântica, filosofia, alquimia, arquitetura e por rupturas pessoais, decide abandonar o Direito para se dedicar exclusivamente à prática de ateliê. Produz neste período de transição, uma série de quadros que são uma crítica às estruturas que a sociedade ocidental construiu para solucionar questões de ética e justiça, na revisão de valores que verdadeiramente promovam igualdade. Neste mergulho ou tentativa de fuga, Fábio transborda em uma experiência performática de dois anos, trabalhando como mestre de obras no interior de São Paulo, sem ser identificado como proprietário e autor da obra. Neste período, manipulou lama, lodo, lixo, areia, cimento, entulhos, cargas pesadas materiais e seu contra senso, as mais leves cargas emocionais. Desta catarse reaproxima-se da simplicidade e beleza do sentido da palavra, ‘humanidade’.

JULIANA FREIRE​

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